3.6.08

Apenas uma picadinha

por Beatriz Ramos

Depois de algum tempo sem escrever nada e esperando as coisas caírem do céu, enfim, fui à luta. Fui atrás de histórias e exames médicos para marcar minha vida bandida.

Bom dia pra você também. Se estou doente? Não mesmo. Estou florescendo por dentro em pleno outono, a ironia e o sarcasmo voltaram ao meu magnífico corpo de um metro e setenta e cinco centímetros. A disposição que tinha dado trégua está de volta. Afinal, hoje foi dia de levar picadinhas.

Vou explicar antes que mentes malignas pensem que ando usando, fazendo ou fabricando algo ilícito. Lá vem a verdade: estou acordada desde às seis da matina, vendo soldadinhos verdes brincando de sitiar a minha cidade pacata e vulnerável. Não comi meu satisfatório café da manhã apenas para fazer o teste, de graça, que podia me dar alguns anos a mais de vida. Fui fazer o diagnóstico contra o vírus da Hepatite C. Certas campanhas de graça são válidas, ainda mais para uma menina como eu, que decidiu viver além dos cem anos.

Cheguei ao posto de saúde, às 08h30min (não me perguntem o que estava fazendo entre as seis da manhã até às oito e meia), não é um horário fictício ou aproximado, eu realmente marquei porque não tenho muita noção de hora e não queria me perder entre o tempo e espaço, já que isso não é difícil para mim.

Voltando para a picada. Primeiro, a moça com cara de “nádegas” preencheu minha ficha usando uma camiseta, até que legal, escrita “Fique Sabendo” (slogan da campanha). Depois uma médica estúpida veio gritando na fila onde eu estava, porque não tinha ganho a bendita camiseta. Eu gostaria de ter respondido para ela, mas meu nível de educação voltou junto com as idéias maldosas. Então, me omiti a apenas prestar atenção nas pessoas que estavam na fila comigo. Pessoas que eu não posso chamar de normais. Ninguém naquele lugar parecia normal. Ninguém que vai fazer um teste de Hepatite C, às 8 da matina, em jejum e esperando quase duas horas por um resultado, não pode ser considerado normal. E o mais interessante são as amizades que ficam nesses tipos de ocasiões. Eu conversei sobre política, sobre educação, sobre banco de dados e sobre a vida das pessoas, o comum, o óbvio.

Porém, o que mais me marcou não foi ter ficado duas horas sentada num banco de madeira, esperando uma moça toda de branco furar meu dedo sem saber se poderia ter ou não Hepatite C. O interessante foi observar um casal de senhores, velhinhos de mais de 70 anos. Tirando a admiração, carisma, paciência e total amor platônico que sinto por pessoas dessa idade, esse casal me impressionou. O senhor todo embecado, com roupa combinando, muito atencioso com sua donzela, também com mais de 70 anos. Eles cuidam da saúde juntos, por isso estavam lá aproveitando, como eu, a tal campanha de graça.

Em um determinado momento ele perguntou ao seu amor se ela estava cansada. A mocinha madura respondeu: “estou com soninho”. Ele continuou dizendo, “soninho? Daqui a pouco você vai poder descansar gostoso”. Só não chorei porque meus olhos já são lubrificados normalmente.

Em todo o meu dia, fiquei alegre por ter visto essa cena que, às vezes, parece não existir mais. Nem assistindo ao filme Homem de Ferro me deixou tão alegre como isso.

Sobre a minha picada, o diagnóstico foi negativo. Não tenho nenhum vírus feio em mim, mas terei que tomar vacinas atrasadas contra a Hepatite C.

Mas em agosto e em setembro terá outra campanha, e eu, estarei lá, levando meu sangue à mostra e cuidando da saúde para chegar aos 100 anos com corpinho de 95.

Freak Power !

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