24.3.08

Entrevista com Marco Antonio Giorgi

"A crise pode ser apenas a ponta do iceberg"

Entrevistamos Marco Antonio Giorgi, operador financeiro de uma das agências bancárias do maior banco privado do Brasil, o Bradesco


por Cleyton Torres

Blog Seu Brasil - O economista e atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, mencionou a crise de 29. O mundo realmente caminha para isso?
Marco Antonio Giorgi - Há quem compare a crise atual com a crise de 29, afinal, no fundo, ambas foram causadas pela euforia e excesso de confiança. O fato é que a economia é cíclica, e a crise é seria, mas daí a comparação com a crise de 29 já acredito ser um exagero, por diversos motivos.

O principal deles é que, atualmente, há diversos instrumentos de política monetária nas mãos dos governos e que não existiam, ou não eram usados em 29 com a mesma eficiência que hoje, como políticas de juros e políticas cambiais. Basta ver o esforço do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) para reduzir os juros e injetar assim dinheiro na economia.

O segundo motivo é que a economia atual é muito mais transparente do que era em 29. Hoje a informação corre solta. Em 1929, negociavam-se papéis de empresas que nem sequer existiam, simplesmente por falta de informação. Atualmente, os investidores acompanham em tempo real todas as bolsas do mundo através da Internet. Qualquer um pode ver o balanço de uma empresa que possui ações, e assim analisar sua saúde financeira antes que venha o pior.

O terceiro motivo está em que a economia mundial está bem menos dependente dos Estados Unidos. A China passa a ganhar espaço com uma velocidade impressionante, e pode se tornar o grande motor da economia mundial no caso de um agravamento na situação americana. Bom para o Brasil, que exporta cada vez mais para a China do que para os Estados Unidos.

Com certeza os motivos não tiram a gravidade da crise. Praticamente todos os indicadores da economia indicam um quadro recessivo nos Estados Unidos. Segundo Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, será a pior desde a II Guerra Mundial. Exageros à parte, vale lembrar também que o Brasil nunca esteve tão preparado para enfrentar uma crise como está agora. As reservas internacionais estão altas, sendo que a dívida externa está zerada. A Selic (taxa básica de juros) também encontra-se no menor nível da história (ainda que alta para padrões internacionais), e o câmbio barato ajuda a segurar a inflação. Sem falar na possibilidade de receber grau de investimento. Vale lembrar novamente que os Estados Unidos possuem uma participação cada vez menor nas nossas exportações, ou seja, somos cada vez menos dependentes deles. Se fosse em outros tempos, (alias, há nem tanto tempo assim) com certeza veríamos a Bovespa derretendo, e o dólar disparando a cada dia. Mas não. O Brasil mostrou que é confiável e ganhou a confiança do investidor estrangeiro. Basta ver que, das principais bolsas do mundo, desde o início da crise, a Bovespa foi uma das que menos se desvalorizaram.

Apesar disso, não se sabe ainda se seremos afetados. Ainda não existe consenso entre os economistas do contagio da crise nos países emergentes. Mas de que estamos muito mais preparados para passar por uma crise, parece não haver dúvidas.

BSB - Em relação à crise, o que representa a compra do Bear Stearns pelo JP Morgan?
MAG -
Bear Sterns é um ícone do mercado financeiro americano. Trata-se de um banco de investimentos respeitadíssimo, com 85 anos de vida (tendo sobrevivido, portanto, à crise de 29, e à II Guerra Mundial), e que se orgulhava de nunca ter tido prejuízo em nenhum período de sua historia. Vale lembrar também que era um banco focado justamente no que foi o pivô da crise: os títulos imobiliários de altíssimo risco. Mas também vale lembrar que o preço de uma ação deste banco, há pouco tempo, era de aproximadamente US$ 100.

Pois bem. Chega a crise imobiliária. Descobre-se que a carteira do banco, focada nestes títulos, vale muito menos do que acreditavam que valia, e os calotes dos clientes começam a acontecer, e assim começa uma série de prejuízos. Com certeza o Bear Sterns não foi o único, como se viu os rombos bilionários nos balanços dos bancos americanos. Mas foi o pior até agora, justamente porque era focado no setor que era o olho do furacão.

Por fim, o rombo foi tão grande, que o JP Morgan o comprou por um valor por ação de US$ 2, praticamente uma bala Juquinha. Era a mesma ação que, há menos de um ano, valia US$ 100. Além da desvalorização absurda, a quebra do banco gera uma incerteza muito grande no setor. O mercado começa a especular quem será o próximo banco a quebrar, e um banco começa a desconfiar do outro. Assim, os empréstimos entre os bancos ficam mais caros, afinal, para emprestar para alguém que possa estar quebrado, cobra-se juros muito mais altos para compensar o risco do calote. Com juros mais altos, a economia não se estimula, as empresas não crescem, e o desemprego aumenta.

BSB - A possível inflação no Brasil é um sinal de que seremos atingidos?
MAG -
A inflação no Brasil ainda está sob controle. O dólar barato ajuda a segurar a inflação, pois estimula as importações. O grande risco que eu vejo na inflação é se houver reajuste na gasolina, pois o combustível é responsável por uma boa parte do índice de inflação, e o preço do petróleo está batendo recordes históricos, ultrapassando US$ 100 por barril, chegando quase nos US$ 110 (para se ter uma idéia, era de aproximadamente US$ 30 em 2003, quando Bush invadiu o Iraque). Se continuar nesse nível, mais cedo ou mais tarde a Petrobrás terá que reajustar o preço da gasolina, e isto pode dar um empurrão na inflação.

Mas como os dólares não param de sair dos Estados Unidos para entrar no Brasil, o câmbio deve continuar baixo. O Banco Central também não deve fazer loucuras de reduzir juros de forma irresponsável agora. Esses fatores devem ajudar a segurar a inflação, pelo menos no curto prazo.

BSB Há saída para fugir da crise?
MAG -
Não acredito em uma resolução da crise no curto prazo. Na verdade, o mercado ainda não sabe com precisão sua dimensão, mas aparentemente ela é mais profunda do que se pensava. Os balanços dos bancos americanos, com seus rombos bilionários, assustam, e não se sabe ainda se todos os prejuízos já foram contabilizados, ou se a primeira leva de balanços é apenas a ponta do iceberg. Primeiro, achavam que era um problema só dos bancos, depois vimos quebras de seguradoras de crédito, que faziam seguro justamente dos créditos desses bancos. O medo é que comece a se espalhar para empresas de setores diferentes, contagiando o resto da economia.


Talvez o pior da crise seja que ela irá trazer restrição ao credito nos Estados Unidos, pois ela foi causada justamente pelo crédito fácil que bancos ofereceram a clientes com capacidade de pagamento meio duvidosa. Essa restrição ao crédito por si só já dificulta a resolução da crise, uma vez que com pouco crédito, fica muito difícil movimentar a economia.

A expectativa é que a crise está começando a dar as caras mesmo agora, o que antes era somente um começo e não havia noção de sua dimensão. Estamos entrando na pior fase da crise, pois logo mais o Fed não terá mais como reduzir os juros, e terá que tomar medidas diferentes que não se sabe se serão eficientes.

Mas também não acredito que seja o apocalipse. Bem ou mal os prejuízos estão sendo contabilizados, e a economia deve se recuperar no médio/longo prazo. O fato é que os fundamentos no Brasil estão muito bons e, ironicamente, a economia do Brasil é o oposto da dos Estados Unidos. Enquanto a americana vive uma crise, nós é que vivemos uma prosperidade. Acredito que a situação aqui só poderia piorar de uma maneira mais forte se a China e os outros emergentes forem contaminados.

BSB - O Fed corta os juros e vai a 2.25%. Isso alivia o mercado?
MAG -
O Fed cortando juros é como um caminhão de bombeiros em um incêndio: o “custo do dinheiro” para empréstimos no curto prazo fica mais barato, e a economia se movimenta. Isso vem aliviando o mercado desde o primeiro corte de 0,50%, no segundo semestre do ano passado. Mas é uma medida que tem limite. Vale lembrar que, desde o começo da crise, os juros já caíram mais da metade. O espaço para novos cortes é cada vez menor, até porque, isto gera inflação porque também aquece o consumo. Uma crítica é que o Fed demorou demais para tomar a atitude de cortar juros, e quando cortou, cortou de uma forma meio desesperada. A grande questão no mercado é o que o Fed vai fazer depois que os juros chegarem a um limite, que não está nem um pouco longe. Ou seja, a “gordura” para cortar juros está acabando, se é que já não acabou. Novos cortes a partir de agora começam a estimular inflação. Aí sim a crise pode se agravar. É como se a água do caminhão de bombeiros estivesse muito perto do final, e o incêndio continuasse alto.

BSB- Haverá mais cortes nos juros aqui no Brasil?
MAG -
Não acredito em cortes no Brasil por enquanto, pelo contrário. A tendência da Selic agora é de estabilidade com ligeira tendência de alta, como dizem os economistas que leram a ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). E não deve cair mais por enquanto, justamente porque, diferente da americana, a economia brasileira está muito aquecida, então cortes nos juros trariam inflação. Enquanto nos Estados Unidos, o Fed corta os juros para estimular a economia, aqui acontece o contrário. O Banco Central mantém, para não superaquecer a economia e não gerar inflação. O viés de alta na Selic é justamente para tentar segurar o risco inflacionário.

BSB- A desvalorização do dólar já é mundial. O que isso pode afetar no cenário de um futuro próximo?
MAG -
A desvalorização do dólar é mundial, e é de certa forma preocupante. Com isso, as exportações americanas são estimuladas, e as importações, desestimuladas. Assim, o dólar fraco puxa a inflação dentro dos Estados Unidos para cima. Somado ao dólar fraco, temos a queda nos juros americanos, que também estimula a inflação. Ou seja, oferta e demanda: consumo estimulado e falta de produtos no mercado, elevando os preços para cima.

O grande risco é de o dólar barato e os juros baixos transformarem a recessão americana em estagflação, o que é bem pior, pois é a combinação de inflação alta com falta de crescimento econômico. Em outras palavras, a economia não cresce, e o poder de compra da moeda se corrói. Algo parecido com o Brasil dos anos 80. Um cenário desses pode acontecer dentro dos Estados Unidos, se o Fed não conseguir manter o controle da inflação.


O dólar fraco também é responsável pelos recordes nos preços das commodities, como o petróleo a mais de US$ 100 por barril, e o reajuste do preço de minério de ferro conseguido pela Vale, com aumento de 70% em relação ao ano passado. O aumento nas commodities é muito bom para o Brasil, pois são esses os produtos que exportamos, basta ver que nossas principais empresas são Petrobrás, que exporta petróleo e Vale do Rio Doce, que exporta principalmente minério de ferro.

Mas com certeza o nível do dólar começa a preocupar não só o Brasil, como também os outros países, pois não se sabe ainda até que ponto é sustentável. Pode ser tudo uma grande bolha especulativa. A velocidade da queda do dólar dificulta a adaptação da economia ao novo câmbio, o que prejudica o exportador brasileiro que não exporta commodities, e pode gerar no curto e médio prazo, quebra de algumas empresas exportadoras, e desemprego.

Fonte: Blog Mídia8!

1 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa entrevista.

E espero que os EUA se recuperem, pois meus dólares dependem disso... E os de muita gente.