Palavras de Cardoso
por Beatriz Caetana
Essa semana o Ton disse que estava sentindo falta dos meus textos no blog. Eu até cheguei a enviar um, mas estava ruim e pessoal demais. Portanto (adoro essa palavra) resolvi postar algo que me deu muito orgulho e trabalho de fazer. Uma das primeiras entrevista que fiz para o meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre Jornalismo Gonzo.
O entrevistado foi André Felipe Czarnobai, o “Cardoso”, o jornalista mais pesquisado quando o assunto é Jornalismo Gonzo ou Gonzo Journalism, é só escolher. Para vocês que podem nunca ter ouvido falar sobre o tema, vou dar um simples resumo.
Jornalismo Gonzo é um estilo jornalístico, onde o repórter é a informação principal. A reportagem é sempre escrita em primeira pessoa, tendo como enfoque o sentimento obtido ao longo da matéria pelo repórter. Esse estilo totalmente subjetivo e “osmótico” foi criado e divulgado pelo meu já morto, amigo americano e fã de armas Hunter Thompson.
Eis agora a entrevista, que teve como contexto o porquê desse estilo ser pouco divulgado no Brasil, principalmente no meio acadêmico.
Blog Seu Brasil: Desde quando você começou a estudar o Jornalismo Gonzo?
André Felipe Czarnobai: A verdade é que, desde muito cedo, pratiquei o Gonzojornalismo – mas sem saber que existia um nome para aquilo que eu fazia. Fui tomar conhecimento da sua existência por volta de 99, e passeia a estudá-lo de uma forma mais consistente a partir de 2000.
BSB: Houve alguma mudança de quando você começou a fazer sua pesquisa até os dia de hoje, no meio do Jornalismo Gonzo? Se houve alguma evolução nas pesquisas?
Czarnobai: Provavelmente, não. É um gênero muito difícil de ser definido (muito nem sequer acreditam que seja um gênero, de fato) e muito pouco estudado ou praticado na mídia em geral. Nos Estados Unidos e Europa ele é pouco mais praticado, mas quase nunca é classificado sob esse rótulo, o que torna ainda mais difícil o seu estudo. No mais, o número de referências de qualidade na web é escasso, e os poucos praticantes, em geral, apresentam uma produção de péssima qualidade – salvo raríssimas exceções, é lógico.
BSB: Você teve algum empecilho quando fazia sua pesquisa?
Czarnobai: Muitos! Não existe muito matéria sobre o tema na web ou em livros. Além do mais, o objetivo da minha monografia era demonstrar que o gonzjornalismo era um GÊNERO jornalístico que merecia diferenciação do NEW JOURNALISMO. Mas para fazer isso, eu não podia recorrer a uma bibliografia acadêmica sobre o gonzo, porque isso simplesmente não existia. Então tive que montar toda uma argumentação a partir da comparação entre o New Journalismo e a trajetória profissional (e pessoal, já que no gonzo essas duas idéias se mesclam) de Hunter S. Thompson, o pai do estilo. Não foi nada fácil e, quase quatro anos depois, pelo que escuto de outros estudantes que pretendem concluir seus cursos com trabalhos sobre o gonzo, parece que a situação continua igual.
BSB: Você acredita que há uma falta de interesse do estudante de Jornalismo sobre essa linguagem ou é da imprensa de não divulga-la?
Czarnobai: Acho que o principal problema a falta de TALENTO. O maior erro do meu trabalho, na verdade, foi não ter falado, de uma forma mais clara,que o grande lance por trás do gonzo jornalismo não é a captação participativa ou o uso da ironia, das técnicas ficcionais e da primeira pessoas na redação. É o TALENTO de quem pratica. Não dá pra exigir que TODO jornalista seja um bom GONZO JORNALISTA. A grande verdade é que só se faz gonzo jornalismo com um escritor extremamente talentoso e, sobretudo, CARISMÁTICO. Sem isso, nada de importante pode ser produzido. No mais o interessante dos estudantes e os espaços na mídia existem, sim. Mas, como eu disse, ainda falta TALENTO. E isso simplesmente não se pode ensinar.
BSB: Você acha que o gonzo é pouco divulgado no Brasil? Qual seria a principal razão?
Czarnobai: O ensino de jornalismo no Brasil é muito, muito ruim. Até dois ou três anos atrás, a esmagadora maioria dos professores e jornalistas em atividade não tinha a MENOR idéia do que é o gonzo jornalismo. E não estamos falando de uma novidade, de uma última tendência em termos de comunicação. Estamos falando de um estilo com pelo menos 40 anos de idade.
BSB: O gonzo é uma linguagem diferente e interessante, porque no meio acadêmico essa linguagem é pouco pesquisada? Pois você é uma das poucas referências no meio do Gonzo (acadêmico).
É pouco pesquisada porque é pouco conhecida. Mas houve um crescimento absurdo no número de trabalhos que abordam o gonzo jornalismo nos últimos cinco anos. Hoje em dia existem pelo menos umas 15 a 20 monografias sobre o tema apresentados como trabalhos de conclusão de curso em universidades brasileiras. O que eu sinto falta, entretanto, é de estudantes se aventurando por esse campo. Claro que isso contradiz um pouco aquilo que eu falei sobre o TALENTO necessário para saber se é capaz de fazer uma coisa se tu não tentar. Eu não vejo NINGUÈM tentar, e isso me deixa com ainda MENOS esperanças para o futuro do jornalismo brasileiro.
BSB: Será que a cultura que nós vivemos, de um jornalismo sem muito diferencial onde o lead é certinho, as reportagens (dependendo da editoria), não oferecem uma abertura de linguagem diferencial, aonde já existe um costume jornalístico por de trás das matérias. Talvez não seja esse o problema para a não utilização do jornalismo gonzo? Pela cultura jornalística em que vivemos?
Czarnobai: Sim, é claro que a cultura jornalística vigente tem um papel muito importante. Os problemas estão justamente no paradigma da objetividade jornalística e na resistência que se tem de aceitar textos em primeira pessoa como “jornalístico” por se dizer. Outro problema é o fato do Brasil não ser um país de leitores. Havendo poucos leitores, existe menos ainda leitores CRÌTICOS, capazes de realmente entender as sutilezas de um estilo como o gonzo, que se equilibra perigosamente na fronteira entre o jornalístico e o literário. De qualquer forma, nos últimos anos, no meio de todo o boom dos reality shows, o próprio jornalismo precisou aprender a se reinventar como entretenimento, e técnicas mais participativas de captação vêm sendo cada vez mais usadas. Curiosamente, hoje em dia è na televisão e cinema que vemos as aplicações mais notáveis da ideologia do gonzojornalismo.
OBS: “Ninguém queria pegar minha banca porque ninguém tinha a menor idéia do que eu tava falando”