3.6.08

Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós


por Maria Lucia Victor Barbosa*

Luiz Inácio, que o PT ardilosamente transformou no símbolo do “humilde operário”, passando assim a idéia subliminar de que ele é uma vítima do sistema, um representante autêntico dos trabalhadores explorado pelos patrões, ou seja, a imagem viva da luta de classes, mostrou claramente o vezo autoritário que, aliás, é inerente a seu partido. Com estilo palanque em fúria ele atacou as vaias sofridas primeira vez e ameaçou os movimentos sociais que estão brotando espontaneamente. Pontificando sobre democracia, conceito que é alheio a um partido como o PT, ele afirmou: “ninguém neste país sabe colocar mais gente na rua do que eu”.

A advertência autoritária era uma resposta à manifestação havida em São Paulo, quando 6.500 pessoas protestaram contra o caos aéreo e se solidarizaram com as quase 200 vítimas do airbus da TAM. Servia também de ameaça aos que pretendem em várias capitais brasileiras se manifestarem no dia 4 de agosto contra a incompetência governamental, os impostos abusivos, a corrupção deslavada, a violência que vitima inocentes, principalmente no Rio de Janeiro que voltou a sua guerra civil depois que acabou o PAN. Sobretudo, as palavras raivosas do presidente visaram movimentos como o do Grupo “Cansei”, da OAB de São Paulo.

Mas quem Luiz Inácio pretende por nas ruas para esmagar esses impertinentes e poucos brasileiros que parecem estar acordando do estado de catalepsia mantido pela massacrante propaganda enganosa do governo, e pelo culto da personalidade em torno do chefe? Será o numeroso exército pára-militar formado pelo MST? O braço sindical petista, a CUT? A UNE, quem sabe, que alguns acusam de estar a soldo do governo? Qualquer milícia à moda fascista-chavista poderá servir para intimidar os poucos que Alexandre Garcia em magistral artigo comparou aos 300 de Esparta.

A retórica enfurecida do presidente Luiz Inácio que nada mais é do que a repetição das palavras de ordem convencionadas pelo PT, ou seja, o discurso unificado que Olavo de Carvalho conceituou como “imbecil coletivo”, pode assustar, impressionar, mas não resiste a um exame em que predomine a lógica e uma revisão da história recente. E note-se que ele usa a velha e conhecida tática petista que primeiro desqualifica o adversário e depois ataca com uma espécie de terrorismo de intimidação. “Golpismo”, “oposição mascarada”, “oportunismo da direita”, “conspiração da elite branca de Campos do Jordão”, “marcha da família com Deus”, são repetidos como mantras pelo presidente, pelos dirigentes do partido, pelos devotados militantes.

Afinal, insurgir-se contra o poderoso pai Lula, que confessou em público ter dado mais lucros aos ricos do que esmolas oficiais aos pobres é um crime de lesa majestade porque atinge o símbolo que mantém privilégios, cargos, imunidades da companheirada espalhada pelo latifúndio estatal por um dos arquitetos do regime petista, o ainda poderoso José Dirceu. Seria inconcebível aos “mandarins” do PT e a seus seguidores mais privilegiados perderem a posição arduamente conquistada de “elite branca” do poder político e econômico. Daí o ardor com que se blinda com uma cortina de aço aquele que possibilita e mantém as delícias da corte.

Os termos usados por Luiz Inácio e seus companheiros para desqualificar e intimidar os poucos opositores que ousam se insurgir contra a majestade do “pobre operário” soam, porém, inteiramente falsos. Quando Luiz Inácio, como deputado federal, propôs o impeachment do presidente Collor e o PT soltou nas ruas suas hostes de cara-pintada ou não, José Dirceu não achou que isso desestabilizaria o Brasil. E durante oito anos o PT berrou “Fora Fernando Henrique”, assim com fez suas greves selvagens e vaiou a valer tudo e todos que acharam merecedores de sua estridente e implacável oposição. Brizola dizia que “o PT vaia até toque de silêncio”. Agora não pode, o que demonstra medo e insegurança dos que não fundo sabem muito bem o que se oculta nas entranhas de um Estado por eles dominado.

O PT acabou com os partidos de oposição, corrompeu todas as instituições e entidades da sociedade civil, chamou para seu lado os ricos que sustentaram as campanhas do “pobre operário”, agraciou os pobres com as esmolas que os manterão sempre pobres. O PT jamais foi democrático nem nunca o será, mesmo porque está ligado a Fidel Castro e a Hugo Chávez formando com estes o “Eixinho do Mal” latino-americano.

Mas tantas ele fez que a sociedade está ficando cansada de perdoar. Era inevitável que alguma oposição surgisse. Ao PT no poder seria melhor ter um mínimo de autocrítica e humildade, analisar em profundidade seus erros e tentar corrigi-los ao invés de ficar ameaçando, mentindo, ostentando comportamento ditatorial. Quanto a nós, os “espartanos”, resta repetir com convicção a estrofe de um dos nossos hinos mais belos: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”. E de tudo fazer para conquistá-la em plenitude, porque, depois da vida, a liberdade é nosso dom maior.

* Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

Apenas uma picadinha

por Beatriz Ramos

Depois de algum tempo sem escrever nada e esperando as coisas caírem do céu, enfim, fui à luta. Fui atrás de histórias e exames médicos para marcar minha vida bandida.

Bom dia pra você também. Se estou doente? Não mesmo. Estou florescendo por dentro em pleno outono, a ironia e o sarcasmo voltaram ao meu magnífico corpo de um metro e setenta e cinco centímetros. A disposição que tinha dado trégua está de volta. Afinal, hoje foi dia de levar picadinhas.

Vou explicar antes que mentes malignas pensem que ando usando, fazendo ou fabricando algo ilícito. Lá vem a verdade: estou acordada desde às seis da matina, vendo soldadinhos verdes brincando de sitiar a minha cidade pacata e vulnerável. Não comi meu satisfatório café da manhã apenas para fazer o teste, de graça, que podia me dar alguns anos a mais de vida. Fui fazer o diagnóstico contra o vírus da Hepatite C. Certas campanhas de graça são válidas, ainda mais para uma menina como eu, que decidiu viver além dos cem anos.

Cheguei ao posto de saúde, às 08h30min (não me perguntem o que estava fazendo entre as seis da manhã até às oito e meia), não é um horário fictício ou aproximado, eu realmente marquei porque não tenho muita noção de hora e não queria me perder entre o tempo e espaço, já que isso não é difícil para mim.

Voltando para a picada. Primeiro, a moça com cara de “nádegas” preencheu minha ficha usando uma camiseta, até que legal, escrita “Fique Sabendo” (slogan da campanha). Depois uma médica estúpida veio gritando na fila onde eu estava, porque não tinha ganho a bendita camiseta. Eu gostaria de ter respondido para ela, mas meu nível de educação voltou junto com as idéias maldosas. Então, me omiti a apenas prestar atenção nas pessoas que estavam na fila comigo. Pessoas que eu não posso chamar de normais. Ninguém naquele lugar parecia normal. Ninguém que vai fazer um teste de Hepatite C, às 8 da matina, em jejum e esperando quase duas horas por um resultado, não pode ser considerado normal. E o mais interessante são as amizades que ficam nesses tipos de ocasiões. Eu conversei sobre política, sobre educação, sobre banco de dados e sobre a vida das pessoas, o comum, o óbvio.

Porém, o que mais me marcou não foi ter ficado duas horas sentada num banco de madeira, esperando uma moça toda de branco furar meu dedo sem saber se poderia ter ou não Hepatite C. O interessante foi observar um casal de senhores, velhinhos de mais de 70 anos. Tirando a admiração, carisma, paciência e total amor platônico que sinto por pessoas dessa idade, esse casal me impressionou. O senhor todo embecado, com roupa combinando, muito atencioso com sua donzela, também com mais de 70 anos. Eles cuidam da saúde juntos, por isso estavam lá aproveitando, como eu, a tal campanha de graça.

Em um determinado momento ele perguntou ao seu amor se ela estava cansada. A mocinha madura respondeu: “estou com soninho”. Ele continuou dizendo, “soninho? Daqui a pouco você vai poder descansar gostoso”. Só não chorei porque meus olhos já são lubrificados normalmente.

Em todo o meu dia, fiquei alegre por ter visto essa cena que, às vezes, parece não existir mais. Nem assistindo ao filme Homem de Ferro me deixou tão alegre como isso.

Sobre a minha picada, o diagnóstico foi negativo. Não tenho nenhum vírus feio em mim, mas terei que tomar vacinas atrasadas contra a Hepatite C.

Mas em agosto e em setembro terá outra campanha, e eu, estarei lá, levando meu sangue à mostra e cuidando da saúde para chegar aos 100 anos com corpinho de 95.

Freak Power !