É com muita satisfação que aceitei o convite para escrever neste blog, que leva o nome do dono do bar da faculdade, “Seu Brasil”, local onde ouvi muitas histórias, onde debatemos sobre muitos temas importantes e fúteis, filosofamos e, acima de tudo, nos divertimos com os fatos contados pelos amigos em volta de uma mesa.
Nos últimos meses, tenho vivido situações que mereciam ser contadas no bar do Seu Brasil, mas como sou uma jornalista recém formada, e o amigo Ton teve a excelente idéia de tornar o Seu Brasil um blog, ai vai a minha contribuição.
O telefone toca, há uma mulher do outro lado da linha, pedindo ajuda. Sua casa fica num dos pontos mais altos da cidade, mas isso não impediu que as fortes chuvas atrapalhassem sua vida.
Silvana tem 3 filhos, foi abandonada pelo marido e sobrevive com ajuda dos vizinhos. Como se não bastasse a vida difícil, as coisas se complicavam a cada dia. Nesse caso, posso afirmar que a Lei de Murfy definitivamente existe!
Silvana não mora numa encosta, sua casa não fica numa área de risco, então porque “raios” essa senhora pede ajuda? Ela falava e falava tanto ao telefone que estava ficando tonta. Queria saber logo o que estava acontecendo. “Diga dona Silvana, vamos direto ao ponto, podemos ajudar em quê?”.
Havia um buraco na rua, em frente a sua casa, que estava aumentando com as fortes chuvas dos últimos dias. Depois de um fim-de-semana chovendo sem parar, o buraco havia aumentado. “Já cabe um carro lá dentro, gostaria de pedir que vocês aí da Rádio Comunitária fizessem um apelo às autoridades para que viessem até meu bairro resolver o problema, tenho medo que daqui uns dias, nós moradores, não possamos mais sair na rua, se ela ainda existir”, diz ela.
"Sim dona Silvana, divulgaremos", e desliguei. Passei o recado para o locutor e me esqueci do assunto. Chegando em casa, depois de assistir fatos parecidos no noticiário, me lembrei de dona Silvana. Uma senhora educada (pelo menos foi educada comigo), simpática e extrovertida que, apesar de todos os problemas, até riu comigo ao telefone quando ironizava a situação.
No outro dia, cheguei na rádio bem cedo, não tinha muita coisa a ser feita, já que terça-feira na rádio é um dos dias mais sossegados. Em uma das conversas descontraídas, me lembrei de Silvana. Como será que ela está agora?
Sem querer bancar a boazinha, a Madre Tereza ou coisa e tal, esperei a hora de ir a campo (nenhum jornalista é jornalista de verdade se não levantar o traseiro da redação). Rodamos por quase uma hora e não encontramos nada, nem casa, nem buraco, absolutamente nada.
Perguntamos para as pessoas que passavam na rua e nos indicaram uma favela. Olhei para a outra jornalista que me acompanhava (Beatriz Ramos), que levantou as sobrancelhas, e disse: “Vamos lá Jana”.
Andamos mais alguns quilômetros e conseguimos chegar ao local. O bairro não tem pavimentação, a maior casa do lugar tem apenas 2 cômodos. A pobreza era evidente. Crianças descalças, com roupas rasgadas e sujas, brincavam na rua. Os adolescentes nos olhavam com receio, estavam desconfiados. Fiquei em estado catatônico de ver pessoas vivendo sem as mínimas condição de higiene, ali eram PESSOAS, irmãos que sobrevivem a cada dia em condições de extrema pobreza, esquecidos pelo poder público. Não posso deixar de dizer que me revoltei.
Enfim, achamos a casa. Demorei um pouco para entender como era a casa, onde ela estava no terreno. Só vi um monte de concreto e muito barro, muito mesmo. Falamos com os vizinhos que nos contaram que a casa desmoronou no final de semana, sábado de madrugada. Chovia muito no momento. Ninguém ficou ferido, mas o susto foi grande. Anda bem que dona Silvana saiu da casa durante a tarde, com muito medo do que pudesse acontecer algo. E aconteceu.
Essa história toda me revolta. Dona Silvana não tem para onde ir, perdeu o pouco que tinha, e agora o que podemos fazer por ela? Se alguém tivesse se preocupado em ir ao local, para resolver seu problema, aquela família não estaria morando de favor em casa de parentes, aquela família não teria abandonado a sua casa debaixo de chuva por medo de acontecer o pior, aquela família não demonstraria em seus olhos o sofrimento de uma vida miserável.
Trabalhar naquela rádio me fez refletir mais sobre as coisas e acima de tudo me fez ver que o mundo está pior do que eu imaginava, as pessoas estão piores. Como é possível deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranqüilamente sabendo que existem PESSOAS com fome, sem ter onde morar?
É triste dizer isso, mas esse é o Seu Brasil, o Nosso Brasil!
4 comentários:
Vocês está quase virando uma jornalista Gonzo. Foi muito triste mesmo saber que na mesma cidade que a nossa, vivem pessoas tão carecidas de cuidado e apoio. O pior é apenas ouvir o que elas contam , sem conseguir fazer nada pra solucionar aquilo. Fico mais triste ainda, pois sei que não existe só um Dona Silvana nesse mundo.
Jana, primeiro quero te dar as boas vindas nesse novo Seu Brasil. E segundo, acho que a coisa mais importante que vc no falou com seu texto é que o jornalista tem que parar de ver os fatos como meramente fatos. Por trás de um homícidio existem pessoas que perderam um parente, por trás de um assalto existe uma vítima que pedeu muito mais do que dinheiro ou um relógio, mas perdeu sua auto-estima.
Temos que parar de ver as notícias como coisas e buscar enxergar o que de fato há por trás delas.
Parabéns e continue assim...
Bjs
É triste, mas é verdade.
Excelente comentário da Bia, onde ela cita que infelizmente existem mutias Donas Silvanas.
O que podemos fazer? Você tem a faca, o queijo e a fome. É jornalista, trabalha em uma rádio e tem a vontade de mudar isso.
Boa sorte na sua batalha!
Realidade núa.
Bem Janaína esta é a realidade de nosso país, você não precisa ir muito longe para enxergar os incidentes e a tristeza de nossos irmãos. Agora eu lhe pergunto: Como jornalista qual foi a sua posição, o que você fez diante dessa situação calamidosa?
Aguardo a resposta para prosseguir meu comentário.
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